sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Entrevista

Pensar nas pessoas que passaram por situações de exclusão nos levam a pensar na sociedade em que vivemos e o que estamos fazendo para que a mesma seja mais justa e digna de todos. e pensar em tais mudanças não está ligado simplesmente a cumprir as leis que garantem o direito a educação, moradia, enfim, vai muito além requer que pensemos em nossas proprias práticas e atitudes, e em como estamos atuando para a transformação e reconstrução de novos cidadões que precisam enxergar o mundo além dos seus pré-conceitos.  
Com este assunto a ser discutido, um meio que encontrei para levar às pessoas a reflexão,foi uma entrevista que nos mostra como a sociedade exerce suas formas de exclusão.
Esta entrevista foi realizada com a aluna do curso de pedagogia Paulina SIlveira, de 47 anos, nascida na cidade de Porteirinha (MG), na qual nos relata suas dificuldades e superações para vencer uma sociedade excludente.
                                                                                                                  Glenda Santana

Glenda  - Como começou a sua alfabetização?
Paulina - Eu nasci no campo e numa família muito pobre. Lá não tinha escola. Ninguém estudava e isso era normal. A única coisa que aprendi antes dos 10 anos, foi o bê a bá que meu avô quase cantando, passava para os homens lá da roça. Mulher e criança não podiam aprender.

Glenda - Seu avô tinha algum estudo?
Paulina - Não. Ele ouviu o bê a BA de outra pessoa e somente repetia, assim como todas as outras coisas que eram passadas de geração a geração. Acho que as letras nem tinham significado para ele.

Glenda - Quando você começou a ir à escola? Qual a lembrança que tem deste período?
Paulina - Isso foi quando eu tinha 10 anos. Por causa de várias dificuldades da vida lá no campo, nos mudamos para uma pequena cidade, onde comecei a estudar. Sofri vários tipos de preconceitos. Primeiro, por ser a aluna mais velha da turma. Depois, por ser uma “caipira”, como era chamada por todos na escola. Também era muito pobre e de uma família de muitos filhos.

Glenda - Esses preconceitos dos quais sofreu dificultaram sua aprendizagem?
Paulina - Por incrível que pareça, eu era tão simplória que nem me importava muito com tudo isso. Mesmo porque eu tinha muita vontade de aprender as coisas novas que os professores ensinavam, e mesmo não sabendo o porquê de decorar tantas coisas, eu me sentia encantada pela escola.

Glenda - Desde que começou a estudar, quais os tipos de dificuldade que teve?
Paulina - Bom, por pertencer a um grupo de exclusão, tive todos os tipos de dificuldades possíveis. Principalmente porque consegui por intermédio da ajuda de pessoas generosas, estudar sempre em boas escolas. Então eu fazia parte dos poucos alunos mal vestidos( segundo o padrão da maioria dos alunos),dos poucos que tomavam merenda escolar, não podia comprar material escolar e usava o que a escola fornecia. Enfim, era difícil, mas nunca me deixei abalar por estas coisas.

Glenda - Por que você decidiu fazer o ensino superior?
Paulina -Na verdade, antes não tive oportunidade. Quando terminei o ensino médio, eu até entrei na universidade, mas não consegui continuar porque meus pais passavam muita dificuldade financeira e eu precisava trabalhar pra ajudar em casa. Mesmo trabalhando em período integral e dando 100% do meu salário em casa, ainda passávamos muitas privações. 

Glenda - Ao se declarar de um grupo de exclusão, você acredita que essas pessoas possam ser incluídas na sociedade?
Paulina - Claro que sim. Elas não só podem como têm esse direito.
A partir da escola, construindo-se um currículo onde as metodologias de ensino considerem essas pessoas como participantes de todo o processo construtivo, e levar em conta seus saberes e sua cultura.

Glenda - Hoje você está no processo de formação para pedagoga. Isso proporcionou alguma mudança significativa na sua situação de exclusão?
Paulina - Certamente o conhecimento é algo que liberta. Ao passo que vamos construindo esse conhecimento descobrimos muitas verdades sobre nossas possibilidades de mudança de consciência e de postura. Porém se meu povo ainda é excluído, é assim que me sinto. Apenas não me conformo com isso. Acredito que como o conhecimento não termina nunca, assim também não termina nossa busca por um mundo mais justo, onde os direitos de todos sejam igualmente respeitados.

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